Gilson Schwartz: Capitalismo cognitivo será democrático

A morte do contraponto entre capitalismo e comunismo reabriu a temporada de caça a uma unidade supostamente perdida entre o individual e o coletivo. Nem obsessão competitiva, yuppie, nem ordens unidas totalitárias, o tema frequenta altas rodas nas empresas, no setor público, na academia e no terceiro setor.
Há duas semanas, Etienne Wenger, um suíço radicado na Califórnia e doutor em inteligência artificial, enfocou o tema a partir da disciplina conhecida como "gestão do conhecimento" (KM ou "knowledge management").
Wenger usa a expressão "comunidades de prática" para designar grupos informais que prosperam nos interstícios das organizações. A competitividade depende da qualidade com que cada organização processa informações para criar conhecimento. As comunidades estão nas fronteiras das organizações.
Criatividade não se controla. Ao contrário, controlar o pensamento é sinônimo de matar a liberdade de criação. Até que ponto a gestão do conhecimento seria uma camuflagem para formas mais sofisticadas de controle?
Wenger destaca-se entre os especialistas em gestão do conhecimento porque, a exemplo dos japoneses Ikujiro Nonaka e Hirotaka Takeuchi, que alertaram para a dimensão tácita da vida, ele também atenta para certas rodas ou círculos informais, as comunidades de prática. Numa empresa, a hierarquia dita a vida. A burocracia predomina. À hierarquia de posições contrapõe-se outra, em que o reconhecimento se dá a partir da produção de conhecimento. No lugar das equipes (formas rígidas de distribuição de tarefas), nas comunidades de prática as pessoas compartilham problemas, trocam "causos", ajudam-se guiadas por uma lógica que não é mercantilizada. Como colocar essa energia no mercado, criando mais valor? Esse é o desafio da gestão do conhecimento.Wenger propõe ferramentas para que as organizações não reprimam essas comunidades e até mesmo as estimulem, para tentar reenergizar o processo produtivo. A conclusão é surpreendente. Em defesa da competitividade das empresas, Wenger propõe que elas aprendam a lidar com aquilo que não controlam nem podem controlar totalmente —a energia criativa de trabalhadores. É um paradoxo no ar: seria preciso abrir mão do controle total do trabalho pelo capital para que o próprio capital possa ter chances de se reproduzir e acumular. Tal capitalismo (cognitivo) sem controle total da empresa seria mais democrático. Caberia à gestão do conhecimento o desafio de direcionar ao menos um pouco da energia criativa, individual e coletiva para os fins mais ou menos nobres da própria organização.

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